Acossado

Foi numa destas cidadezinhas turísticas, daquelas que em uma determinada época do ano concertos pipocam em todos os lugares.

Tínhamos ficado numa destas pousadas feitas especialmente para casais. Tinham dividido a cama, o banho, a mesa do café, o baseado. Tinham ido a concertos, a parques de diversão, a restaurantes, a lojas. Tinham feito sexo, caminhadas, passeios a cavalo, city-tours.

Foi num concerto ao livre, num dia ensolarado e frio, ouvindo uma desafinada orquestra infantil, que ela, apertando seu antebraço, voltando-se de frente para ele e olhando fixamente para o zíper de sua jaqueta disse “Eu não suporto mais. Eu não agüento mais tudo isto. Me desculpa, você é um cara legal, e esses dias foram maravilhosos, mas... não é com você que eu queria ter vivido tudo isto. Me desculpa”. E ela se foi, sem se preocupar em pegar suas coisas na pousada, deixando ele plantado na praça.

“Meu Deus, o que significa isso?!”, pensou o homem, errando nervosamente pela cidadezinha, procurando a resposta para tudo aquilo.

Mas a única coisa que ele encontrou foram os cheiros dos quitutes locais e música: entrou num bar para tomar um trago e lá estavam eles, um violonista e uma cantora que o olhavam com se estivessem a par de tudo e, nem por isso, sentiam a mínima cosimeração. Em frente ao ponto do city-tour um pseudo grupo folclórico alemão tocando pseudo música folclórica alemã: o duendezinho da sanfona lhe sorria. Na calçada, um animado grupos de estudantes música disputavam quem conseguia cantar mais agudo, ou mais grave, alguma melismazinho de uma ópera qualquer (como todas as são). Na praça, lá estavam elas – “de novo!” – as crianças da orquestra, tocando ainda pior que antes. Como lhe era aterrador aquelas melodiazinhas bobas tocadas de modo tão atroz. Seria este também seu fim? Uma vida onde as pequenas coisas ocorrem de maneira tão amarga?

Ele correu, para longe de tudo aquilo, para longe da badalação, dos cafés na calçada, das famílias consumindo tudo o que não podem pagar, das crianças mimadas pedindo mais, dos comerciantes vendendo tudo mais caro, dos filhinhos de papai exibindo suas máquinas para as patricinhas que exibiam suas plásticas, dos namoradinhos abraçados e desfilando uma felicidade que ele, agora, sabia que jamais teria. Chegou no subúrbio, por detrás da maquiagem do centro, no lugar onde morava a verdadeira população da cidade. Encontrou uma espécie de restaurante, com um grande salão, vazio e em silêncio; meio escuro, na verdade. Entrou e pegou uma mesa. Pediu uma bebida, um maço de cigarros qualquer, e ficou. Ouvindo o silêncio e olhando fixo para o nada.

A noite caiu, e sem que ele tivesse notado, o lugar não estava mais vazio. Havia agora mais três garçons, cheiro de gordura, ruído das pessoas tagarelando, rindo e comendo e a voz rouca de um gordo cantando uma destas canções da moda num karaokê com o volume muito alto. Vez ou outra dava pra ouvir a descarga de um banheiro.

Não sentiu forças para sair daquele inferno terreno. Ficou lá, sentado com um copo de algo intragável sobre a quina da mesa, fumando a marca de cigarros mais barata que existia e ouvindo os timbres metálicos da máquina chinesa mesclados à voz podre do sujeito que ainda regurgitava ao microfone.

Fingindo tentar não pensar nela.

por Leonardo Schu (o Martinelli)

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