“Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!”. Amilton tomou um susto quando leu esta frase numa revista esquisita que nunca tinha visto antes. Que coincidência, pensou, justamente o nome de sua mulher. A frase em si não tinha lhe chamado a atenção. Mas se deparar com o nome da mulher divertiu Amilton, que levou a tal revista para casa. Alice leu a frase, mas não compartilhou da mesma fascinação do marido. “Mas e aí? Você vai participar do concurso?”, perguntou, levemente entediada. Na verdade Amilton não tinha cogitado esta hipótese. Nunca tinha se interessado muito por literatura. Lia, no máximo, uns best-sellers que a mulher levava pra dentro de casa, e nunca se imaginou escrevendo algo para os outros lerem (na verdade, Amilton escrevia muito – relatórios, petições e requerimentos – mas nada que as pessoas realmente lessem). “Ué, escreve aí. De repente rola uma grana”, disse Alice. Com os dedos mirados para a revista Amilton mostrou à mulher que não havia prêmio em dinheiro. “Xiii... que droga. Então pra quê escrever, né?” concluiu sua mulher, dando meia-volta em direção cozinha e deixando Amilton plantado na sala com a revista nas mãos. Depois do jantar, Amilton foi para o quartinho do computador, com a revista a tiracolo. “Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!”. Que diabos de frase é esta?!, pensou. Na verdade tinha ouvido poucas vezes a palavra mitômano. Só se lembrava do debate político em que Martha ficava chamando e Maluf deste jeito. Bem, definitivamente mitômano não deve ser algo muito elogiativo. Amilton ficou imaginando que tipo de história poderia bolar para encaixar a tal frase. Certamente não seria algo biográfico, pois fora uma coisinha ou outra (como aquele happy-hour com o Bispo e o Tavares) nunca tinha dado motivos para Alice tratá-lo assim. Amilton esqueceu da vida, e começou a imaginar uma história. Já sabia que seria sobre um desentendimento amoroso (afinal, a frase se encaixa muito bem numa discussão), mas não tinha idéia do quê levaria seu casal fictício a esta briga. Bolou um nome para o marido, pois não queria colocar o seu. Adélcio. Começa com “a” como o seu, mas isto não é suficiente para indentificá-lo. Adélcio e Alice tinham que brigar. Ela o xingaria (mitômano chega a ser xingamento?) e o marido provaria que tudo não passara de um mal-entendido. Isto!, entusiasmou-se Amilton. Faria uma trama de desencontros que levassem Alice a acreditar que Adelcio era um mulherengo mintômano, mas tudo seria esclarecido no final, quando Adélcio contasse a Alice as verdades dos fatos. Amilton se animou. Ligou o computador, e começou e escrever. Lá pela metade do conto botou a tal frase. Leu, revisou e passou mais uma vez o texto. Mandou por e-mail e foi dormir. Nos dias seguintes esqueceu completamente do assunto e só lembrou do concurso quando, ao entrar numa banca, esbarrou com um novo número da revista. Revirou agitadamente as folhas, e só parou quando, ao achar a página do concurso, viu que não só tinha perdido, mas que o texto vencendor contava direitinho tudo o que ele passou e pensou para escrever seu conto. E um calafrio lhe percorreu a espinha quando leu o nome do ganhador, um capixaba chamado Adélcio.
[Este texto foi originalmente feito para o primeiro concurso literários da Revista Piauí, em fevereiro de 2007. Não ganhei o concurso, mas em compensação, o que "ganhei" por conta desta molecagem, não tem preço algum, não é, "Alice"?]
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